Meu avô materno, Sr. Bernardo, nasceu em 30 de julho de 1906, no Noroeste mineiro. 

Naquela época a reputação do cidadão era uma das qualidades mais caras, traduzida em caráter rígido e sólido, em retidão de todos os atos, especialmente aqueles ligados ao comércio em geral.

Época em que um simples aperto de mãos selava de pequenos acordos a grandes negócios, sem a necessidade, em muitos casos, de documento ou contrato formalizando os atos comerciais.

Daí a expressão “fio do bigode”, que consistia em dar em garantia a palavra empenhada, um fio da própria barba retirado em geral do bigode. De origem controversa, a hipótese mais conhecida é que o termo pode ter vindo da antiga expressão germânica pronunciada nos juramentos: “bi gott”, ou “por Deus”[1].

A pergunta que se impõe é a seguinte: O que tem a ver a expressão “fio do bigode” com compliance? Respondo: tudo a ver. 

O termo complianceorigina-se do verbo inglês “to comply”, que tem como significados cumprir, executar, observar o que lhe foi imposto. Em outras palavras, é o dever de desempenhar, de estar em conformidade com as leis, diretrizes, regras e regulamentos[2].

Ao contrário do que pressupõe o senso comum, compliancenão é algo tão novo. Também não é um modismo emergente, embora tenha um importante marco ao final dos anos de 1970, nos Estados Unidos, com a edição da lei Norte-Americana denominada de FCPA (Foregin Corrupt Practies Act) em 1977, após o escândalo de corrupção da empresa Lockheed Corporation[3], produtora de aviões de combate, dentre eles os famigerados F-16, utilizados nos porta-aviões americanos.

À época, a renomada fabricante pagou a autoridades estrangeiras, como forma de viabilizar a venda de seus aviões de guerra, a quantia de US$ 22 milhões de dólares. Esse fato gerou imensas discussões no meio empresarial e político da época, forçando o governo norte-americano a editar e promulgar a FCPA, como forma de coibir a corrupção e equilibrar o jogo entre os playersinternacionais.

O cuidado com a criação de regras para evitar a corrupção e a manutenção de um ambiente comercial saudável vem de longa data.

No Brasil, as Ordenações Filipinas[4] já puniam a corrupção (Livro V, título 71). O código Penal de 1830[5] já tratava da matéria nos artigos 132 e 134. O primeiro (132) tratava da corrupção passiva, e o segundo (134) de corrupção ativa.

No conceito moderno, o complianceé muito mais do que uma empresa exercer suas atividades by the book[6], ou seja, extrapola o olhar estático sobre o cumprimento de leis e regras. 

Nas palavras de Ricardo Alves de Lima[7], “Complianceé uma expressão que se volta para as ferramentas de concretização da missão, da visão e dos valores de uma empresa. Não se pode confundir compliancecom mero cumprimento de regras formais e informais, sendo seu alcance bem mais amplo”. 

Com grau elevado de certeza, pondero que compliancetomou uma dimensão muito além do mero cumprimento de leis e regras. É hoje uma reconhecida e eficaz ferramenta de gestão das empresas e que gera um dividendo robusto, porém, intangível que é aferido por meio da credibilidade imputada à marca da empresa pelo próprio mercado. 

Retornando ao princípio, ao refletir sobre a expressão “fio do bigode”, arrisco dizer que sua versão atualizada e repaginada se traduz em compliance.Uma vez implantado e incorporado à cultura da empresa, e quando posto em prática pela governança, o compliancese transforma naquele “aperto de mãos” que garante a palavra empenhada no fechamento de um negócio.

É, na realidade, a credibilidade do nome empresarial, da marca, que se sobressai em meio à negociação entabulada. Ao submeter uma simples proposta de compra e venda, ou os pontos estratégicos de um grande negócio ao núcleo de complianceda empresa para avaliação dos riscos da operação, antes da tomada de decisão, a empresa demonstra seu apreço pela observância das regras do jogo e, mais, sua estima à ética nos negócios.

Concluo assim que a velha expressão popular “negócio fechado no fio do bigode” se sustenta hoje no conceito e nas práticas aplicadas ao compliance, com toda a carga representativa de retidão e respeito à ética presentes naquela forma antiga, mas nunca fora de moda, de se realizar negócios. 

  

Getúlio Humberto Barbosa de Sá

Advogado e Sócio do Escritório Barbosa de Sá & Alencastro

 



[1] OliveiraGiovani Duarte. Disponível em https://www.gazetadigital.com.br. Publicado em 23 de outubro de 2013. Acesso em 06 de abril de 2020.

[2] Manual de Compliance: preservando a boa governança e a integridade das organizações / Marcelo de Aguiar Coimbra, Vanessa Alessi Manzi Bindel, organizadores. São Paulo, Altos 2010. 

[3] Compliancee Direito Penal Econômico / Fábio Ramazzini Bechar e Marco Aurélio Pinto Florêncio Filho (coordenadores). São Paulo: Almedina, 2019.  

[4] As Ordenações filipinas, promulgadas em 1603, são o mais bem-feito e duradouro código legal português. Contendo os dispositivos que definiam os crimes e a punição dos criminosos, seu Livro V explicita com nitidez a associação entre a lei e o poder régio. LARA, Silvia Hunold (Org.), São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 

[5] Primeiro código penal brasileiro, sancionado poucos meses antes da abdicação de D. Pedro I, em 16 de dezembro de 1830. Vigorou desde 1831 até 1891, quando foi substituído pelo Código Penal dos Estados Unidos do Brasil.

[6] Expressão em inglês traduzida como: seguir fielmente as regras e fazer tudo certinho, quando você está operando 'como manda o figurino'.

[7] A Evolução Normativa Anticorrupção no Plano Nacional e Estrangeiro: Uma Análise a partir das Velocidades do Direito Penal. p.33, em Manual de Compliance: preservando a boa governança e a integridade das organizações / Marcelo de Aguiar Coimbra, Vanessa Alessi Manzi Bindel, organizadores. – São Paulo, Altos 2010.

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