Realizar o sonho de ter a casa própria é um desejo da maioria dos brasileiros. Na persecução desse sonho, porém, podem vir a ocorrer alguns impasses, como, por exemplo, a frustração da legítima expectativa da aquisição de um imóvel para chamar de seu, devido ao atraso injustificado na entrega do bem.

    A demora na conclusão de uma obra acarreta, em regra, prejuízos financeiros, já sendo um entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) o direito à indenização pelos danos emergentes, entre eles, o pagamento dos gastos de moradia despendidos pelo adquirente do imóvel, pelo período do atraso, conforme julgamento do STJ ocorrido em 12/11/2018 (AgInt no AgRg no AREsp 795.125/RJ).

    Ocorre que os danos decorrentes da demora na entrega do imóvel podem ir além da esfera material, afetando os direitos de personalidade das pessoas envolvidas. Nesse contexto, a discussão sobre a compensação adequada em virtude dos danos morais sofridos emerge como um tema relevante no campo jurídico.

    A legislação brasileira, especialmente o Código Civil, aborda a responsabilidade civil destacando a obrigação do devedor de reparar o dano resultante de ato ilícito. O artigo 186 do Código Civil estipula que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direitos e causar danos a outrem, mesmo que exclusivamente morais, comete um ato ilícito, acarretando a obrigação de sua reparação.

    No que se refere aos contratos de construção e incorporação imobiliária, a Lei nº 4.591/1964, em seu artigo 43, inciso II, dispõe que, quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, responderá civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários pelos prejuízos a estes causados por não ter sido entregue a edificação, ou mesmo pela demora injustificada na conclusão das obras. 

    Ademais, o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 14, também estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, incluindo o setor da construção civil, independentemente de culpa, por eventuais danos causados aos consumidores.

    A base para a compensação por danos morais reside na proteção dos direitos pessoais, garantidos constitucionalmente. O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, atribuindo a quem desrespeitar esses direitos fundamentais a responsabilidade de reparar os danos resultantes de sua violação.

    Recentemente, no dia 18 de setembro de 2023, a E. Ministra Maria Isabel Galotti, da quarta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgou sob sua relatoria o AgInt no AgInt No AREsp nº 2.064.554/BA, onde entendeu que “é devida indenização por danos morais na hipótese de atraso na entrega de obra quando isso implicar ofensa a direitos de personalidade”.

    O caso específico que motivou esta decisão refere-se a uma pessoa que adquiriu uma propriedade, com a previsão de entrega em maio de 2010. Isso porque tinha planejado se casar em julho do mesmo ano, com a intenção de passar a residir na propriedade com sua esposa, logo após o casamento. No entanto, as chaves só foram entregues em abril de 2011, privando o casal de habitar a propriedade adquirida por aproximadamente 11 meses.

    A Ministra Relatora concluiu que, mesmo considerando a cláusula de tolerância que permitia a prorrogação da entrega para outubro de 2010, ocorreu um atraso de mais de 6 meses após a data do casamento. Essa demora resultou em prejuízos morais e materiais para a parte afetada, que ultrapassaram o mero dissabor.

    Portanto, na situação de atraso na entrega de uma construção que cause prejuízo aos direitos pessoais, a parte prejudicada tem respaldo legal e jurisprudencial para buscar compensação por danos morais. A avaliação do valor a ser indenizado considerará a extensão do dano, a gravidade da conduta, a capacidade econômica das partes envolvidas e outros elementos pertinentes ao caso específico.

    Ressalta-se que os danos morais apenas serão devidos nessa hipótese de atraso na entrega de imóvel quando restar demonstrado, de forma clara e inequívoca, que a parte adquirente fora lesada em esfera extrapatrimonial.

    O Ministro Relator Raul Araújo, também da quarta turma do STJ, entendeu dessa forma ao julgar o AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 2009633/RJ:

O simples inadimplemento contratual em razão do atraso na entrega do imóvel não é capaz, por si só, de gerar dano moral indenizável, sendo necessária a comprovação de circunstâncias específicas que possam configurar a lesão extrapatrimonial”. (g.f.)

    Em resumo, a legislação brasileira e a jurisprudência da nossa Corte Cidadã dão respaldo para a busca por compensação pelos danos morais sofridos nas hipóteses de atraso na entrega de uma construção, desde que disso resulte, de forma comprovada, a violação aos direitos pessoais. A proteção jurídica se mostra como um instrumento essencial para garantir a efetiva defesa dos direitos dos consumidores e a responsabilização adequada daqueles que não cumprem com suas obrigações contratuais.



Escrito por: Gabriel Victor de Carvalho Nery. 2023

Podemos ajudar em algo?

Preencha o formulário para que possamos entrar em contato

Se preferir, pode falar diretamente no nosso WhatsApp clicando aqui