O Supremo Tribunal Federal decidiu criminalizar as práticas de homofobia e transfobia. De acordo com a decisão, até que lei específica seja aprovada pelo Congresso Nacional, serão punidas como racismo as condutas que discriminem homossexuais e transexuais. A decisão atende parcialmente as ações apresentadas pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) e pelo partido Cidadania (antigo PPS). 

Essa foi a conclusão do julgamento iniciado em fevereiro deste ano quando os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, além do relator, Celso de Mello, votaram para igualar os crimes de homofobia ao de racismo. O assunto voltou ao plenário em maio, quando Rosa Weber e Luiz Fux também votaram favoravelmente à medida.

Na sessão desta quinta-feira, a ministra Cármen Lúcia acompanhou entendimento do relator.Ao apresentar seu voto, deixou claro que a função precípua do STF é proteger o direito constitucional do ser humano à convivência pacífica. Também destacou que "todo preconceito é violência e causa de sofrimento".

"Numa sociedade discriminatória como a que vivemos, a mulher é diferente, o negro é diferente, o homossexual é o diferente, o transexual é diferente. Diferente de quem traçou o modelo, porque tinha poder para ser o espelho e não o retratado. Preconceito tem a ver com poder e comando. (...) Todo preconceito é violência, toda discriminação é causa de sofrimento", votou.”

Na visão da Ministra a discriminação "castiga" a pessoa desde o lar, uma vez que afasta pai de filho, irmãos e amigos. A inércia do Congresso Nacional vem acarretando diversos prejuízos aos afetados pelos ataques homofóbicos.

O próximo a proferir seu voto foi o Ministro Ricardo Lewandowski, entretanto, divergente dos demais votos até então apresentados. Seu posicionamento é contra a permissão para criminalizar a homofobia equiparando ao crime de racismo, mas disse considerar que o Congresso foi omisso. Frisou que não cabe ao STF definir em qual crime os atos devem ser enquadrados porque isso é função do Poder Legislativo.

No entendimento do ministro, punir criminalmente a homofobia é "simbólico", mas acrescentou que "a lei pode muito", mas "não pode tudo".

“Estamos aqui a tratar a necessidade de mudanças culturais complexas que, acaso vinguem, serão incorporadas ao repertório jurídico e policial paulatinamente. Essa reflexão, porém, não diminui a importância de que esse primeiro passo seja dado”

Na sequência, Gilmar Mendes destacou que a omissão do Congresso é grave por deixar de proteger a comunidade LGBTI. Para o ministro, a falta de uma legislação afronta, ainda, a dignidade humana.

“Considerando a seriedade das ofensas sistematicamente dirigidas às esferas jurídicas das minorias que pleiteiam manifestação dessa Corte, entendo que não há como afastar o cabimento da presente ação. [...] Resta claro que a mora legislativa discutida consubstancia inegável insuficiência na proteção constitucional que determina a criminalização da discriminação atentatória à dignidade humana”

O ministro Marco Aurélio, apresentou seu voto e frisou ser preciso reconhecer que o Brasil vive grave quadro de discriminação contra homossexuais, acrescentando que esse cenário é "incompatível" com a tradição de tolerância do povo brasileiro em relação à diversidade cultural e religiosa.

"Não vivêssemos tempos tão estranhos, o pleito soaria extravagante. A estrita legalidade no que direciona a ortodoxia na interpretação da Constituição em matéria penal não viabiliza ao tribunal esvaziar o sentido literal do texto mediante a complementação de tipos penais"

Votando em divergência à maioria, Dias Toffoli acompanhou Ricardo Lewandowski, afirmou que considera o Congresso omisso por não ter aprovado uma lei, mas não concordou em enquadrar a homofobia e a transfobia como crime de racismo.

“Todos os votos proferidos, mesmo com divergência, reconhecem o repúdio à discriminação, ao ódio, ao preconceito e à violência por razões de orientação sexual. Estamos aqui a dar efetividade à Constituição. [...] Bom seria que não houvesse a necessidade de enfrentar esse tema em 2019”

Mesmo com esses três votos divergentes, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão teve entendimento majoritário em utilizar legislação de crimes de racismo para punir homofobia e transfobia. Na prática, firmado o entendimento, a conduta discriminatória passa a ser tratada como crime inafiançável e imprescritível, com pena que varia de 1 a 5 anos de reclusão.

A atuação do Supremo neste caso é bastante controversa, com pensamento divergente de diversos especialistas. Alguns pensam que a atitude do STF abre precedentes perigosos e usurpa a competência do Legislativo, pois incumbia a este Poder da República legislar a respeito.

Na opinião de outros, porém, o STF não fez nada além do que lhe foi atribuído conforme preconiza nossa Carta Magna, cobrindo uma lacuna normativa severa e grave do Estado legislador, resultando em crescente onda de ataques - e até mesmo homicídios - em face de cidadãos que possuem orientação sexual diversa ao que uma parcela da sociedade “conservadora” considera “errado”. 

O referido assunto não encerra após esse julgado porque tanto o Legislativo quanto o Executivo não aceitarão de forma fácil. Agora, porém, terão que trabalhar e se adequar. Não há nada garantido, contudo, foi dado o primeiro passo para tentar diminuir as agressões a uma parcela da sociedade tão desprovida de apoio social de forma geral do Estado brasileiro. 


Thiago de Oliveira Sampaio da Silva

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